quarta-feira, 9 de novembro de 2011

PLANEJAMENTO


O calcanhar de Aquiles das MPEs

Resolvi aproveitar as férias para postar no meu blog também algumas reflexões que foram surgindo depois das palestras e atendimentos deste ano.  Nem sempre tenho tempo de fazer isso, algo que gosto muito, por conta da correria dos atendimentos, então, aproveitemos as férias. Férias para mim é um tempo de descanso, reflexão, quase um retiro espiritual para voltar melhor e com mais energia para o trabalho. E também, nem posso dizer que estou falando de trabalho.

Afinal, como diria aquela frase já famosa, que uns dizem que é do Sílvio Santos e outros do Comandante Rolim Amaro da TAM: “na vida a gente tem que fazer o que gosta para nunca ter que trabalhar”. Felizmente, estou fazendo o que gosto.

Eu arriscaria dizer que pelo menos 75% dos 790 clientes que atendi este ano (sendo que cerca de 40% são empresários) não tem ou desconhecem bons controles financeiros. “Eu estou para implantar um sistema” é o que a grande maioria diz quando perguntados sobre fluxo de caixa ou os demonstrativos de resultado da empresa e aí começamos uma conversa, e eu já tenho os argumentos de cor, de que não adianta ter um sistema se não sabemos o que vamos controlar.

Sem dizer que, com todo respeito ao pessoal de TI, sistemas sempre dão problemas e sempre precisamos de um técnico e esse técnico sempre demora e...aí já não temos mais dois, mas três quatro problemas...bem, resumindo, primeiro precisamos saber o que estamos controlando.

Lembro que quando trabalhei na controladoria de uma multinacional, nosso diretor sempre pegava erros nos relatórios da empresa com base em 3 ou 4 números que ele sabia de cabeça sobre o negócio. Números que meu chefe com “muito humor” dizia que nosso diretor anotava num papel de pão, rs. Aprendi assim a primeira lição para ter bons controles: simplicidade. Embora o mais simples para sua organização já possa ser algo enorme para outra, procurar ser o mais simples possível sempre, gastar pouco tempo nos relatórios e bastante na análise e no desenvolvimento do negócio.

Por outro lado, eu que era um estagiário que estava ainda aprendendo a sobreviver, queria mostrar tanto serviço que cheguei a ter mais pastas do que arquivos, gastando horas para controlar contas que não representavam nem 0,5% do nosso resultado. Segunda lição bem aprendida: relevância. Embora observando que na maioria dos casos as empresas não têm bons controles financeiros, em alguns casos noto também empresários de boa formação acadêmica ou que trabalharam em multinacionais que caem no paradoxo de “mais arquivos do que pastas”. Os controles são para controlar, não para impressionar.
Mas ter bons controles financeiros está associado à ideia de planejamento (afinal quanto custa isto que estou fazendo?) , o que por sua vez exige um certo gosto pelo raciocínio analítico, lógico, meio matemático. E aqui temos uma barreira cultural enorme para vencer em nosso país. Primeiro por uma limitação técnica, eu arriscaria dizer que pelo menos os mesmos 75% dos meus clientes não sabem que 10% = 0,1. E aí sem o domínio de ferramentas básicas de matemática, qualquer planejamento se torna muito difícil. E o outro aspecto importante é a “cultura da esperteza”.

Alguns economistas como Jeffrey Sachs e Eduardo Gianetti explicam o comportamento dos empresários com base em argumentos demográficos. Populações que habitavam regiões de inverno rigoroso teriam uma tendência maior a desenvolver o raciocínio analítico e assim a capacidade planejamento por uma razão bem simples: se você planejasse errado sua safra no norte da Europa há 200 anos atrás você morreria de fome no inverno. Eu particularmente penso que este é um fator entre vários, mas não deixa de ser um raciocínio interessante do impacto do ambiente sobre o comportamento.

Lendo uma biografia do Barão de Mauá, primeiro grande empresário brasileiro, vemos que no século XIX só havia duas maneiras de se ganhar dinheiro no Brasil: a primeira era não ser brasileiro, ser inglês ou português, o que te daria acesso ao lucrativo comércio internacional, ou ser ilegal. E esta era a estratégia de muitos brasileiros. A saída encontrada por alguns brasileiros foi traficar escravos de forma ilegal. Os recursos desse tráfico deram origem ao Banco do Brasil e depois às primeiras elites nacionais. Estava aí forjado o nascimento de uma instituição com leis propositalmente frágeis e de uma cultura empresarial que privilegiava a “esperteza” em detrimento do trabalho e do planejamento.

Anne Krueger, que trabalhou como executiva no FMI no Banco Mundial, tem trabalhos importantes sobre o que a literatura chama de rent seeking , uma teoria que aponta que em países em que a justiça é frágil, as pessoas mais inteligentes tendem a ir para a ilegalidade, onde obtém mais lucro e isso cria um círculo vicioso onde cada vez se torna menos interessante ser um empreendedor, digamos, “certinho”.

Bem, poderíamos falar horas sobre a fragilidade institucional do nosso país, o custo Brasil e tudo mais, mas o que deve fazer um empresário que, como muitos brasileiros, acham que sua alma vale mais do que seu bolso? Primeiro é preciso levar tudo isso em conta. E identificar uma boa oportunidade de negócio. Um nicho em que a competição desleal seja menor, como tem feito muitos jovens como o proprietário da Boo-Box que faz marketing em redes sociais, algo inovador. A outra coisa é saber que competir por preço é sempre mais difícil num mercado como o nosso, assim, é preciso se diferenciar tecnicamente, criar barreiras para competição direta do concorrente, tendo sempre o que ele não tem.

É preciso estar sempre duas curvas à frente do concorrente. Quem chegou primeiro tem mais tempo para desenvolver um novo produto ou processo.

E é preciso estudar. E aqui talvez esteja um grande desafio das instituições de apoio aos empresários. Não necessariamente estamos falando de formação acadêmica, mas é preciso levar em conta que é preciso compensar o déficit educacional de uma geração inteira de empresários. Boa redação e matemática fundamental fazem sim diferença no dia-a-dia dos negócios. Scott Shane apontou no livro que lançou este ano (Ilusions of Entrepreneurship) o caminho padrão dos empresários de sucesso baseado numa pesquisa com 12.000 executivos: identificar uma boa oportunidade de negócio, planejamento e estudo, busca de informações relevantes sobre o mercado.  

Boa redação faz diferença para vender para clientes mais sofisticados, matemática fundamental é essencial para fazer fechar as contas do mês, para uma empresa que cresce muito rapidamente, um MBA em gestão estratégica pode ser um diferencial de longo prazo.  Mesmo Alexandre Tadeu da Costa, dono da Cacau Show a maior rede de chocolates finos do mundo, e brasileira, fez um curso de chocolateiro na Bélgica quando a empresa já estava rodando há alguns anos.

Ayrton Senna se tornou um exímio piloto na chuva exatamente porque achava que era um mal piloto na chuva. Muitas multinacionais quando querem promover alguém para CEO mandam o candidato para ser presidente da filial brasileira para aprender a bater metas num mercado importante, mas muito mais desafiador em termos institucionais.

Não tem jeito, planejar e planejar. E se você é brasileiro, planejar, planejar e planejar. É para desanimar? Não! É para conhecer bem o adversário e sabendo os seus pontos fracos correr para cima dele com a faca nos dentes.

leia também http://coracaoconfiante.blogspot.com/




Nenhum comentário:

Postar um comentário

Olá, obrigado por seu comentário. Vamos somar idéias para mudar o Brasil! (comentários ofensivos ou fora do tema serão moderados)